Não é, de facto, raro sentir essa vontade, porque me apaixona, também, a possibilidade de transmitir ideias e conhecimentos que, com o tempo, com a investigação e com a prática, fui adquirindo.
Honestamente, seduz-me a possibilidade de contribuir para que se entenda que pintar não é, tão simplesmente, desenhar e dar cor a formas de passar o tempo; mesmo se entendo —e entendo— ser a parte técnica de grande importância, porque de nada serve ter qualquer ideia, se não tivermos as ferramentas e o seu domínio para exprimirmos tudo quanto temos vontade de dizer… —os espaços estão cheios de ilustrações de menoridade, como produto de incompetentes que resolveram propor e/ou assumir a aposta no conceito… como se fosse difícil compreender por que razão todo o espírito tem um corpo!...
Admito, porque sei, que o ensino —com ou sem vocação— é, com frequência, o sustentáculo de artistas que, dependendo, apenas, do acto de criar, teriam imensas dificuldades de sobrevivência. Refiro-me, essencialmente, aos que têm família que deles depende e que, por isso, os obriga a limitar os sonhos; porque a realidade transcende os anseios e os projectos, onde se incluiu criaturas —filhos, sobretudo— que nasceram sem audição prévia.
Há, é verdade que há, os outros, os que, não tendo responsabilidades de família nem predisposição, vêem, no ensino (?), a porta de saída. Eu ouso dizer que não os entendo nem como artistas nem como professores, mas, antes, como gente que procura ganhar a vida —eu digo que só se pode ganhar a Vida, se se procura a realização.
Tenho, reconheço, a grande vantagem de serem, os meus projectos e as minhas ideias, a única família que de mim depende, o destino único do meu investimento, mantendo-me, delas, o mais tempo e o mais próximo que posso, porque a fluência do gesto não é só devida à assiduidade do exercício prático, mas, fundamentalmente, ao tempo de que dispomos para pensar.
Gosto, naturalmente, de trocar ideias, de dissertar sem hora; quando tudo acontece como que ou mesmo de improviso. Não tenho sido capaz de, estabelecendo uma rotina, afastar-me, irremediavelmente, dos meus projectos… A vida não é um mar de rosas. Procuro, no entanto, agarrar-me a este privilégio; porque de privilégio se trata, vivermos, em exclusivo, para aquilo de que gostamos, encontrando prazer nos próprios sacrifícios; eles mesmos, parte importante do crescimento, da evolução.
Aqui chegados, atingimos o ponto que pretendia. Isto é: querendo pintar —compor, executar, escrever, dançar, para falar, apenas, no domínio das artes—, estaremos preparados para nos submetermos aos processos, constantes, de aprendizagem?... Estaremos nós preparados para, mais do que viver da Pintura, viver para a Pintura, uma vez ser o tempo, de análise sem retorno assegurado, um domínio largo?... A Arte e o Ensino exigem vocação e sacerdócio… Não sendo religioso, estou em condições de garantir que só a fé e a entrega operam milagres. Oremos, irmãos :-)