segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

TODO O PRAZER ENVOLVE SACRIFÍCIO


… Algumas vezes me têm perguntado por que não dou aulas de pintura…
Não é, de facto, raro sentir essa vontade, porque me apaixona, também, a possibilidade de transmitir ideias e conhecimentos que, com o tempo, com a investigação e com a prática, fui adquirindo.

Honestamente, seduz-me a possibilidade de contribuir para que se entenda que pintar não é, tão simplesmente, desenhar e dar cor a formas de passar o tempo; mesmo se entendo —e entendo— ser a parte técnica de grande importância, porque de nada serve ter qualquer ideia, se não tivermos as ferramentas e o seu domínio para exprimirmos tudo quanto temos vontade de dizer… —os espaços estão cheios de ilustrações de menoridade, como produto de incompetentes que resolveram propor e/ou assumir a aposta no conceito… como se fosse difícil compreender por que razão todo o espírito tem um corpo!...

Admito, porque sei, que o ensino —com ou sem vocação— é, com frequência, o sustentáculo de artistas que, dependendo, apenas, do acto de criar, teriam imensas dificuldades de sobrevivência. Refiro-me, essencialmente, aos que têm família que deles depende e que, por isso, os obriga a limitar os sonhos; porque a realidade transcende os anseios e os projectos, onde se incluiu criaturas —filhos, sobretudo— que nasceram sem audição prévia.

Há, é verdade que há, os outros, os que, não tendo responsabilidades de família nem predisposição, vêem, no ensino (?), a porta de saída. Eu ouso dizer que não os entendo nem como artistas nem como professores, mas, antes, como gente que procura ganhar a vida —eu digo que só se pode ganhar a Vida, se se procura a realização.

Tenho, reconheço, a grande vantagem de serem, os meus projectos e as minhas ideias, a única família que de mim depende, o destino único do meu investimento, mantendo-me, delas, o mais tempo e o mais próximo que posso, porque a fluência do gesto não é só devida à assiduidade do exercício prático, mas, fundamentalmente, ao tempo de que dispomos para pensar.

Gosto, naturalmente, de trocar ideias, de dissertar sem hora; quando tudo acontece como que ou mesmo de improviso. Não tenho sido capaz de, estabelecendo uma rotina, afastar-me, irremediavelmente, dos meus projectos… A vida não é um mar de rosas. Procuro, no entanto, agarrar-me a este privilégio; porque de privilégio se trata, vivermos, em exclusivo, para aquilo de que gostamos, encontrando prazer nos próprios sacrifícios; eles mesmos, parte importante do crescimento, da evolução.

Aqui chegados, atingimos o ponto que pretendia. Isto é: querendo pintar —compor, executar, escrever, dançar, para falar, apenas, no domínio das artes—, estaremos preparados para nos submetermos aos processos, constantes, de aprendizagem?... Estaremos nós preparados para, mais do que viver da Pintura, viver para a Pintura, uma vez ser o tempo, de análise sem retorno assegurado, um domínio largo?... A Arte e o Ensino exigem vocação e sacerdócio… Não sendo religioso, estou em condições de garantir que só a fé e a entrega operam milagres. Oremos, irmãos :-)

sábado, 18 de dezembro de 2010

A Ironia o Anjo que Envelhece - pormenor


… Não há anjos sem sexo nem sem idade. Não há querubins nem serafins por quem o tempo passe e sem que os marque a aura do desejo e a sombra do desgaste. As asas, sendo vontade e sinais do infinito, elas são, também, conjugação de penas...


Se olhares bem, não há em nenhum anjo fulgores do riso alegre; há o esboço do enigma...

Esta obra vai estar presente na próxima expoição colectiva da Paula Cabral, galeria de arte, com inauguração marcada para o dia 22 Dezembro, na Rua do Século, 169-171, ao Príncipe Real, em Lisboa.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

CIRCUNDIVAGAÇÃO


... Só agora, e descomprometidamente, vou procurar dinamizar este espaço, o qual não foi criado, apenas, para deixar imagens dos meus quadros; há, também, a intenção de passar a texto algumas ideias de carácter diverso; algumas de pendor marcadamente político, não porque procure que assim seja, mas porque aquilo de que falarei, boa parte das vezes, há-de entroncar no modo como a Sociedade, políticamente, se organiza. É que mesmo que me mantenha na abordagem a questões ligadas ao fenómeno cultural e artítico, como poderá ver-se, a questão é... política.

Resta-me anunciar que não voto nem tenho partido. Não por qualquer preconceito, mas porque não acredito —segue-se a primeira abordagem, comemorada que tem estado a ser o Centenário da República Portuguesa:


… Por que me pedirias a libertação das paisagens, das composições e das figuras descomprometidas; sugeririas o abandono do meu mundo, e me esperarias inócuo, se, fora dele, o redor me parece não valer muito?...

Sou, como sabes, pouco dado a celebrações, à euforia das celebrações, porque os dramas esperam-nos, a cada passo. As coisas acontecem e eu prefiro olhá-las como algo que vem ou não vem a preceito, podendo, até, registá-las com indiferença, mesmo porque não vejo o que justifique ser celebrado, e em evidência, clara, sobrem a adolescência e a perversão como personagens únicas e primeiras de textos elegíacos, porque não há, por ora, mais do que a tristeza e –vá lá!...– a comiseração, porque resulta em dó o sentimento inspirado pelos que são ingénuos e pelos que são perversos; os que não conseguem evitar nem a gula nem as aflições…

Heróis de quê???!!!...
Que mar, ó mar!, tem sido mais obstáculo do que a incompetência?... Ergue-se o mar e os abismos desconhecidos para se louvar, em cortejo fúnebre e feérico que não estanca, as naus que trocaram as voltas à realidade de um Povo com direito, simples e complexo, à compra do imaginário; ao qual, por mais que proteste e engula, o lenho não passa da memória nem da garganta, aventando-se –quem sabe?– a hipótese de os pinheiros serem os responsáveis, porque, num país em que tudo se faz pela rama e na delonga das inquirições, se não houvesse toros, os mares teriam ficado por navegar, e os limites talvez aconselhassem ou mesmo impusessem que se tratasse da educação e das infra-estruturas, e não houvesse a inflamação das amígdalas, pelo roço das velas –não tem nada de erótico!

Aliás, gostaria de saber, do próprio D. Diniz, qual a intenção e a culpa; se os pinhais eram para suster as areias ou se para tornarem o mundo mais perto… Agora é tarde, para lhe perguntar e conhecer o que teve o homem a ver com isso, porque as monarquias estão cheias de bobos que se servem delas, e porque a ingenuidade e a perversão existem em todos os regimes, tão-só porque, como anormalidades dos humanos, são humanas, e Portugal é a ilustração perfeita que me poupa as palavras, embora eu as gaste, na procura de garantir que se perceba o mar, profundo e largo, como o excesso… para um país cujo destino parece ser superficial e estreito, viciado na estupidez, na burla e na segregação –que segregação?!… De tudo o que não é estúpido.

… Monarquia ou República?!...
Já estou de regresso ao meu mundo… às paisagens, às composições e às figuras descomprometidas…

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Alusão



A exposição —como facilmente se calcula— tinha que chegar ao fim. Acabou quando estava previsto.
De qualquer modo, ficam as imagens, porque são o que perdura para além do momento... E a mensagem também é transversal; podendo, uma e outras, permanecer no espaço; como se fossem, sempre, personagens de uma mensagem que não anunciava nada: apenas a sua existência —deixêmo-las, então!...
… Daqui, de onde divago sem mistério, saio sempre no desejo de regresso, porque o momento é momento de monólogo, tornado, o diálogo, uma coisa esquisita; espécie de ferramenta de superações perversas, de disputas vazias, esquecida a procura da realização pura, sem que haja outra... chegada a confirmação de suspeitas que sempre tive, ideias que apareceram e se desenvolveram e que, quase à revelia, me foram dando conta do futuro:

Sem paixão, meu querido, é a ruptura!

–O que sempre me têm dito; aquilo que, informado por elas, eu sabia, mesmo sem ter a certeza de se era assim: mentindo, a Humanidade vai sendo conduzida, de logro em logro, de verdade em verdade, até que, possivelmente, se extinga.

Digo que chamam crise aos reflexos de uma Espécie enredada nos excessos de avidez, de conquistas e perpetuação de privilégios estúpidos e espúrios; do desenvolvimento que lhe permite, agora, entender quanto se aproxima do retrocesso, porque a matéria se tornou um veículo de espíritos ensandecidos, equivocados, com os mapas trocados na procura da transcendência, porque a tecnologia tem sido desenvolvida na proporção semelhante àquela a que tem regredido o Pensamento, deixando-nos essa visão, esplêndida, do design sem eficácia, por inconsequente… A Pintura, como a paixão, sobrevive…

Chegou, também neste âmbito e enfim –pelo menos, parece–, o tempo de esclarecer dúvidas. A Arte, favorecendo indústrias, não é uma indústria, é um espaço de raciocínio e de aprendizagem; de expressão de sentires, onde cada autor, actor ou intérprete, se obriga a compreender-se e a compreender os domínios, estabelecendo a diferença entre o acto inteligente e a incontinência, qualquer que seja o discurso, o qual há-de ser, estou certo, a porção visível e tangível de uma filosofia –faz sentido que lhe chamem conceito...

Poderia celebrar o tempo, denunciando as peripécias do desgoverno; os actos e as construções de gente miserável que invade, que usurpa e que cria ambientes irrespiráveis, prometendo e procurando, entretanto e em conluio, o reforço da democracia –coisa que não existe em lado algum. Prefiro celebrar o Tempo, espaços e verdades que não me mintam…

Permaneço onde sempre estive, deste lado da história. Continuam a enlevar-me alguns trechos de lugares e de gente, composições, ao todo; o jogo sensual da luz e da sombras, mesmo que do meu prazer pareça sobressair qualquer drama, porque haja luzes, estridentes ou roucas, com todo o ar de aflitas. São horas, admito, que aludem ao efémero, às demoras curtas; havendo, no entanto, a lembrança de alvoradas que ainda existam, por serem alvoradas que procuro, mesmo se com ar de crepúsculo –há, nos crepúsculos, a maturação das madrugadas… e de outros crepúsculos…